Os primeiros 1000 dias de vida, fase que engloba a gestação (270 dias) e os dois primeiros anos da criança (730 dias), são considerados uma “janela de oportunidade e vulnerabilidade” para o desenvolvimento humano, visto que os hábitos de vida adotados nesse período têm grande impacto na programação do indivíduo, com influências no metabolismo e no desenvolvimento cognitivo que estarão presentes no resto de sua vida.
 

A importância da nutrição nos primeiros 1000 dias de vida foi reconhecida em 2008, quando a revista médico-científica The Lancet publicou uma série de artigos abordando os impactos da desnutrição materno-infantil ao longo da vida do indivíduo [1]. Já está claro, na literatura e na prática clínica, que intervenções nutricionais nessa fase da vida podem trazer benefícios importantes a curto e a longo prazo, surtindo efeito no crescimento, no desenvolvimento e na qualidade de vida que a criança terá na fase adulta [2-4].
 

Entre os nutrientes essenciais para esse período, está a colina, que tem reconhecida a importância do seu papel para o desenvolvimento do bebê, em especial o neurodesenvolvimento. Sendo assim, observa-se que sua demanda é especialmente alta durante a gestação e a lactação, o que pode ser confirmado pelo fato de que a concentração de colina no cordão umbilical é de 3-5 vezes maior que a observada no plasma materno [5,6]. Nesse contexto, a Associação Médica Americana (AMA) e a Academia Americana de Pediatria recomendam que o consumo de colina tenha início no período pré-natal e se estenda até a primeira infância [4, 7].
 

Considerada um nutriente essencial para a vida humana, a colina é substrato para a síntese de acetilcolina (principal neurotransmissor das vias colinérgicas), fosfatidilcolina (componente estrutural primário das membranas fosfolipídicas de todas as células, incluindo as células neuronais), esfingomielina (fosfolípide importante para a mielinização neuronal) e betaína (importante doador de grupos metil) [8-11].
 

Diversos estudos em animais e humanos demonstram que a colina materna (durante a gestação) ou a suplementação com esse nutriente após o nascimento influenciam significativamente a estrutura e as funções colinérgicas do sistema nervoso central (SNC) do bebê e promovem efeitos positivos sobre a função e o desenvolvimento cognitivos verificados ao longo da vida dessa criança [9, 12-22]. Por exemplo, o alto consumo de colina por gestantes está associado a um melhor desempenho de memória viso-espacial de seus filhos aos sete anos de idade [23].
 

Um estudo recente conduzido pela Cornell University avaliou os efeitos da suplementação materna com colina na cognição dos bebês. Para tanto, mulheres, em início do terceiro trimestre da gestação, foram randomizadas em dois grupos para receber, até o momento do parto, suplementação diária de colina em duas doses: 480 e 930 mg. Os resultados obtidos no estudo demonstraram uma relação direta entre a quantidade de colina ingerida pela mãe e a velocidade de processamento da informação exibida pelos bebês, uma medida reconhecida por predizer o coeficiente de inteligência (QI) durante a infância [24].
 

A importância da suplementação de colina na primeira infância também já foi demonstrada. Em 2015, Wozniak e colaboradores conduziram estudo duplo-cego, controlado por placebo, e observaram que crianças de até quatro anos exibiam melhor performance em testes de memória após nove meses de consumo diário de colina [25]. Vale mencionar que a população estudada era acometida por síndrome alcoólica fetal, uma patologia decorrente do consumo materno de álcool durante a gestação e que acarreta, no bebê, alterações mentais, comportamentais e/ou de aprendizado que podem ser irreversíveis e levar a dificuldades escolares [26].
 

Além dos efeitos na cognição infantil, o consumo de colina durante a gestação também oferece proteção contra complicações durante a gravidez. Estudos têm demonstrado que o consumo de colina no período pré-natal está relacionado à menor incidência de defeitos de fechamento de tubo neural, pré-eclâmpsia, descolamento de placenta e abortos recorrentes [27-30].
 

Nesse cenário, considerando os primeiros 1000 dias como uma janela de oportunidades bem como de vulnerabilidade para o desenvolvimento do indivíduo, a adoção de uma dieta equilibrada e que contemple micronutrientes essenciais para essa fase é primordial. As principais associações médicas internacionais reconhecem a colina como um nutriente-chave para esse período da vida [4, 7]. Embora esteja presente em alimentos como ovos e carnes vermelhas, o consumo diário de colina pela população, o que inclui gestantes, lactantes e crianças de primeira infância, está bem abaixo do recomendado, o que demonstra a importância da suplementação com esse nutriente na dieta [31].
 

Escrito por: Ana Carolina Remondi Souza, Ph.D.
 

Referências:

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